terça-feira, 30 de abril de 2013

DIALOGO COM CABOCLO


DIÁLOGO COM CABOCLO

Sobre desvios comportamentais e a sustentação espiritual
Imagem retirada da internet
Imagem retirada da internet
Gira de Caboclos, médiuns em transe, consulência ansiosa e demais trabalhadores cumprindo seus afazeres para que tudo fluísse perfeitamente.
Ao ver aqueles médiuns, jovens médiuns, devidamente mediunizados e entregues para que fossem apenas instrumentos, sentindo profunda verdade exalando de cada um, me veio um intenso sentimento de gratidão e emoção por fazer parte deste processo. Inevitavelmente me ocorreu porque entidades tão luminosas se permitem sustentar médiuns relapsos, inclinados ao erro ou de vida errante? Será mesmo que podem ser sustentados? Será mesmo que há estas entidades coniventes?
Foi em meio a estes questionamentos silenciosos que fui ouvido e se travou o diálogo:
- Meu filho, hoje não farei os atendimentos costumeiros para que você veja com meus olhos o trabalho desta noite e que possa sentir um pouco com meu coração e pensar com minha mente.
- Meu Pai, desculpe pelo desvio…
- Porque tantas perguntas agora?
- Não é agora, são as de sempre, me intriga esta possibilidade de médiuns despreparados e de vida desregrada serem sustentados como estes dedicados e estudiosos que vejo nesta noite.
- Acaso julga que estes são mesmo indivíduos de vida regrada, são preparados e mais legítimos que outros por aí?
- Não sei, ao menos há alguns anos os acompanho e vejo dedicação, empenho e entrega.
- Não, o que você vê é apenas o que ocorre aqui, não é você que os acompanha, eles que te acompanham. Lá fora você nada sabe, quer que lhe aponte uns e outros desvios dos seus filhos? Ou prefere manter-se focado em mostrar o caminho, habilitá-los cada vez mais para que cada um a seu modo, no seu tempo e na sua capacidade, vá absorvendo e praticando os ensinamentos, e com naturalidade vá lapidando seus padrões comportamentais e alinhando seu progresso evolutivo?
- Meu Pai, fico com a segunda opção… O sr. sempre me deixa sem opção (risos). Não me incomoda desastres com médiuns jovens em pleno processo de aprendizado, fico realmente confuso de ver sacerdotes de longa data que na sua vida pessoal, por exemplo, é envolvido com toda sorte de promiscuidade, mas no trabalho espiritual observamos a presença legítima da luz espiritual, é confuso!
- Sejamos objetivos. Partimos da premissa de que todos sem exceção estão em pleno processo de aprendizado evolutivo, humanamente sujeitos a erros, deslizes, vícios, desequilíbrios etc. No entanto podem, apesar de suas limitações, estarem comprometidos com o trabalho espiritual, alimentar os mais sinceros sentimentos de compaixão, fraternidade, caridade e doação espiritual aos mais necessitados. Não é porque você adoece que não poderá ajudar os doentes, não é porque você empobrece que não poderá auxiliar os mais empobrecidos e não é porque você perdeu a fé que não poderá ser auxiliado por alguém que perdeu tudo mas restou-lhe a fé. Manter esta sentença de que a mediunidade é só para os puros, limitaríamos a prática mediúnica a raros ou nulos indivíduos e é uma vaidosa maneira de julgar o outro. No passado, fomos humanos encarnados cheios de limitações e sempre houve aqueles amparadores movidos pelo amor que por séculos acompanham seus tutelados até que estes consigam progredir.
- Compreendo.
- Não são os valores morais católicos que decidem no plano espiritual quem é melhor ou pior, merecedor ou devedor. O indivíduo pode ter muitas dificuldades, muitas limitações e desequilíbrios, mas se alimentar um coração de bem, devotado ao trabalho espiritual para o bem, capaz de se desligar de suas particularidades para deixar-nos fluir em atividade mediúnica, aceite ou não meu filho, mas lá estaremos para sustentar sua mediunidade, auxiliar os consulentes e com a certeza de que assim estaremos também auxiliando o médium, inspirando-o e semeando constantemente valores importantes para sua autolapidação.
- Desculpe meu Pai, mas isso abre margem para o inverso, se torno isso público os indivíduos vão acreditar que podem cometer todo tipo de extravagância, desvios e continuarem amparados pela luz, como que se o velho discurso de que a vida particular nada tem a ver com a vida espiritual fosse verdade. Como que se basta apenas ter amor pela Umbanda ou boa-vontade de ajudar o próximo e pronto, todos seus excessos estão anulados.
- Não, os mal intencionados continuarão tendo seus argumentos como sempre tiveram. E não é verdade, a vida do indivíduo é um conjunto uno, não se separa nada. Compreenda que até aqui falei de questões pessoais no indivíduo, que não venham a se misturar de fato com o trabalho espiritual. Tudo muda quando falamos de médiuns maldosos, vingativos, negativados de fato e que intencionam se valer da mediunidade para seus fins egoístas e improdutivos. É exatamente neste ponto que um médium perde o apoio dos guias de luz. Quando este quer se valer da mediunidade e de nosso trabalho para fins escusos. Então não seremos coniventes e após tentarmos ajudar ao máximo este médium por si só sairá de nossa frequência vibratória e atrairá para seu convívio seres iguais a ele, independente de nossa vontade.
Portanto, o que mantém a sustentação espiritual de um indivíduo é o que ele traz no coração e, mesmo os mais embrutecidos e limitados, podem ter um coração comprometido com o bem. Tome cuidado com o excesso de normas morais, porque neste âmbito muito ainda é discutível.
- Tudo bem meu Pai, mas ainda assim continuo sem entender, por exemplo, uma pessoa que traí seu cônjuge por mera promiscuidade, uma pessoa que sempre que pode tira vantagem sobre o outro, engana financeiramente seu sócio, uma pessoa viciada no álcool ou outras químicas enfim. Não estariam estes sujeitos à perda de sustentação espiritual? Estes estão ilesos? Qual portanto é a vantagem de eu me preocupar constantemente em ter controle sobre meus impulsos instintivos, superar minhas limitações e dominar meu negativismo? Então posso eu dar vazão a toda minha rebeldia interna que está tudo bem? O sr. continuará aqui me sustentando e guiando este trabalho espiritual? Onde se encaixa a orientação de que nossa vida é una e que tudo se entrecruza?
- Filho, quando um indivíduo trai a confiança do outro, quebra assim um acordo de lealdade e fidelidade, ou quando mergulha nas dependências químicas, vive na promiscuidade e tantos desvios comportamentais que você possa citar, este indivíduo cria pra si com o tempo uma atmosfera negativa, quebra suas defesas vibratórias e se expõe a todo tipo de assédio e obsessão espiritual pertinente àquele padrão que criou. Com o tempo paralisará seu progresso e enfraquecerá o seu contato com os guias de luz. Não poderá ter a satisfação de praticar o que prega ou o que houve, não será inspiração para ninguém e tornará sua trajetória quase que injustificável. Cada caso é um caso, deve ser observado atentamente. Por fim este indivíduo poderá submergir tão profundamente nos seus desequilíbrios que nem mesmo sua religiosidade terá mais sentido. É por este viés que as Trevas se instalam e dão sequência a uma ação devastadora na vida do indivíduo e dos envolvidos intimamente com ele.
Então esta é uma realidade que o próprio indivíduo estará criando para si e depende do nível de comprometimento com o desequilíbrio que o próprio está estabelecendo, e isso não tem de fato relação direta com a noção de moralidade estabelecida. Aqui entramos nos resultados de ação e reação, lei das afinidades.
- Então o que foi dito inicialmente parece que está desconstruído agora, meu Pai!
- De maneira alguma, uma situação é o indivíduo que tem uma ou outra dificuldade comportamental que só atinge a si mesmo, mas que ainda luta por se manter vinculado ao trabalho espiritual, reconhecendo suas fraquezas e limitações e que sinceramente mantém consigo a consciência de que precisa se superar, reverter o padrão equivocado e que conta com nosso apoio para tanto.
Outra situação é o indivíduo que se deleita no desvio comportamental, que articula suas sandices e se mantém assim por puro egocentrismo e vício, causando dor e mal ao seu redor, não se compadece com seu próprio infortúnio e fecha-se às possibilidades de conceber seus próprios erros e fraquezas.
Uma coisa é nós insistirmos com quem definitivamente rompe com nossa parceria e propósito e outra coisa é rompermos com aquele que é humanamente frágil mas diariamente antes de dormir se lembra de seus erros, sofre e procura de alguma forma, ainda que lentamente, ir mudando seu padrão.
- Não posso tornar isto público, vão distorcer estas palavras…
- Seu dever, meu filho é tornar público e a capacidade de compreensão fica a cargo de cada qual, esta não é sua responsabilidade.
- Entendo…
- Para encerrarmos apenas estamos querendo lhe mostrar que do lado de cá o julgamento moral de vocês encarnados quase nunca se encaixa. Por exemplo: não é porque uma pessoa se envolve numa determinada situação ilícita, ou mesmo desleal, que este está fadado a “queimar no inferno”. Agora, a insistência, o prazer no erro poderá sim manter o “caldeirão fervente”.
O problema nunca é errar, mas sim manter conscientemente, articulosamente um padrão de erros e prejuízos. Este tipo de indivíduo não consegue manter religiosidade, não se sentirá atraído pela ideia de evolução espiritual, pois isso será um contrassenso, de modo que, naturalmente, este indivíduo que venha ser atraído por assuntos espirituais será aquele que alimenta estes seus desvios. Portanto isso não tem mais relação com Umbanda ou com qualquer religião de fato.
 Sobretudo meu filho, evite o julgamento baseado em si próprio. O ser humano é mais complexo, suas necessidades, seus tormentos, suas inclinações, fraquezas e mesmo potencias não são repetidos num outro semelhante, cada qual é único e do lado de cá é assim que nos relacionamos, sem colocar tudo num só “balaio”, mas nos envolvermos com a individualidade e ajudar. Ontem fizeram isso conosco, hoje é nossa vez.
- Compreendo meu Pai, mas ainda assim me sinto perturbado, vejo coerência, mas me parece que temos brechas para o errante se apoiar.
- Mas não estamos querendo criar nenhuma forma de engessamento. Não é uma ditadura comportamental meu filho. Isso gera rebeldia, e na rebeldia quem se prejudica é o rebelde. E o errante que quer argumentos, acredite, não será aqui que os terá, pois ele sempre tem um bom discurso, mesmo que só ele acredite, e é só isso que basta a ele.
Não tema, prossiga!
- Obrigado meu Pai!
- Vamos encerrar a Gira.
Não tinha me dado conta, já faziam quase duas horas que estávamos nesta prosa. Ainda por alguns segundos pude ver a Gira pelos olhos do Sr. Caboclo, olhos de compaixão, pude sentir a corrente mediúnica com seu coração, coração resignado e fraterno e pude pensar sobre tudo aquilo com sua mente, mente que transcende. Acima de tudo esta estava sendo uma experiência mediúnica nova, intensa e intrigante.
Quase senti vergonha dos meus pensamentos, mas logo passou, aceitei que este é um ponto necessário de ajuste, comecei a aceitar melhor minha própria limitação.
Os Caboclos desincorporaram e os médiuns retomavam suas feições. Pai Tupinambá ainda discursou com os presentes e foi-se “embora, para o Juremá, deixando um abraço forte, com a certeza de que vai voltar”…
Ele sempre volta!
*Experiência mediúnica ocorrida no dia 11/01/2013
FONTE: Rodrigo Queiroz / http://www.rodrigoqueiroz.blog.br